domingo, março 25, 2012

Aulas no ensino superior do Instituto Federal de São Roque: ainda temos alunos meramente sentantes ou podemos falar de alunos pensantes?


O ensino bancário, comentado principalmente pelo educador Paulo Freire, continua sendo um grande estigma em nosso sistema educacional. A tabula rasa da população discente parece ainda ser reticente quanto a quebrar este paradigma. Sentar-se, escutar por horas a fio alguém falando, anotar o que é falado e simplesmente tentar memorizar o mínimo para se dar bem em um teste parece ser mais fácil (e menos desafiador) do que tentar preparar os conteúdos, ler, familiarizar-se com o que é comentado, criticar o que é lido e pensar sobre tudo isso. Mudar o status quo é tão temeroso quanto lutar pelo que se acredita ser verdadeiro.

A imagem desta sala de aula vitoriana me parece muito semelhante às que encontro atualmente nos recintos de nível superior. As tabulas rasas não se vestem mais com vestidos até os pés, os sapatos não são mais desconfortáveis e o mestre não utiliza mais palmatória, mas o olhar amorfo, o pensamento em devaneio e a robotização frenética de anotar o que é falado formam um conjunto atualíssimo.

Os alunos vestem outras roupagens, pensam em outras prioridades e levam vidas mais globalmente conectadas - raras vezes, porém, conseguem desvencilhar-se deste modus operandi arcaico e ultrapassado. O relógio acusa o início de mais um período de aulas e as carteiras são ocupadas por aqueles que formam a massa sentante. Isto mesmo: a massa sentante. O caderno (se existente ou, pelo menos, utilizado) é o principal instrumento de 'estudo' e o treino muscular dos dígitos é o exercício rotineiro. Fico pensando, aqui com meus botões (que testemunham muitas e muitas aulas...), o que realmente a massa sentante pensa ser um ensino superior.

A massa sentante, entretanto, deveria ser uma massa pensante e crítica. As aulas não deveriam ser apenas o momento de "passar conteúdos" que, infelizmente, poderão ser descartados como coisas pontuais em provas que exigem muito pouco raciocínio e muita memorização. O conhecimento, reunido em áreas diversas e compartimentalizado apenas por questões curriculares, não é algo para ser descartado - ele tem seu fundamento visceral na interpretação do mundo, na perspectiva das coisas e na visão que se tem sobre a sociedade, a natureza e o self. Estudar a morfologia das células não permite apenas saber que estas unidades estruturais possuem membrana, organelas, substâncias orgânicas e inorgânicas e um sem-fim de outros compostos e propriedades: estudá-las permite traçar histórias de descobrimentos, hipóteses, relações múltiplas têmporo-espaciais que se interligam com a fisiologia, a ecologia e outras logias criadas pelo homem para interpretar a natureza.



O ensino superior parece relutar em quebrar o paradigma das aulas expositivas, dos conteúdos memorizativos, das cobranças meramente burocráticas que forçam a massa sentante a mediocrizar a si mesma em torno de uma nota mínima de aprovação. Não se pensa em inovação, em quebra de paradigma, em sair da mesmice e encarar o desafio de não ser medíocre, mas autônomo em pensamento, crítico em pesquisa e visionário em termos de obter uma formação ampla, cidadã e portanto circunscrita a uma realidade temporalizada e contextualizada.

Escrevo manifestando uma mente talvez cansada de observar, em eternos dèja vus de décadas de trabalho pedagógico, a difícil tarefa de tentar discutir novas maneiras de ensinar para alunos de cursos superiores que a sala de aula não é apenas um lugar que pode tolher a liberdade de pensar - ela pode, mais severa e radicalmente, transformar mentes livres em escravas de um "Laissez-faire, laissez-passer, le monde va de lui-même" vilmente massacrante e massificador. E viva a decoreba! E viva a lei do mínimo esforço! E viva a aula com questionário, com textos fáceis, com o mínimo mediocremente "importante" para o engodo chamado "ensino superior".