quarta-feira, dezembro 13, 2006

Qual é a importância da arborização urbana?


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Houve tempos em que era praxe o passeio ao final da tarde, pelas veredas das cidades, para a observação das árvores e dos arbustos em pleno florescimento. Homens e mulheres sabiam, muitas vezes empiricamente, quando a paineira dava flores, quando o ingá gerava seus doces frutos, ou quando as primaveras e outras espécies comuns em nossas cidades sofriam alguma transformação em seus ciclos de vida. Muitas goiabeiras foram palco para as mais diversas brincadeiras infantis. E, convenhamos, quem não subiu em alguma árvore, por menor que tenha sido, para apanhar amoras, abacates, ou as referidas goiabas repletas de bicadas de pássaros? Nossas avós talvez relembrem aqueles dias em que sentir o aroma de flores constituía fato normal na vida de qualquer cidadão.
Os tempos agora são muito diferentes. Estas atividades, hoje desconhecidas da maioria dos habitantes das grandes cidades, revelam, na verdade, algo que transcende simplesmente o senso comum e a observação empírica. A arborização de praças, parques públicos e ruas é algo necessário e de extrema importância para a sobrevivência de vários animais e outras espécies vegetais, que usam a cidade como habitat natural ou como rota durante a migração. Em ecologia, cunhou-se o termo floresta urbana, ou seja, o conjunto de árvores e arbustos que compõem a área verde das cidades, em meio ao trânsito, aos postes de luz e às casas. Mais que uma mera fonte de prazer e atividade lúdica, a arborização de ruas e outras áreas comuns das cidades é um gerador de alimento para diversas espécies de animais - mamíferos, aves, insetos - cuja dieta depende dos frutos e do néctar de inúmeras árvores nativas do Brasil, além das inúmeras espécies que foram sendo introduzidas em nosso país por tantos e tantos anos (as chamadas espécies exóticas ou alóctones, em oposição às espécies nativas ou autóctones) (1).
Várias cidades brasileiras possuem espécies que mantém as ruas floridas praticamente o ano todo. Os polinizadores e aqueles que visitam as plantas para obtenção de alimento também podem ser vistos praticamente durante o ano inteiro. Há estudos, inclusive, sendo realizados com a floresta urbana, onde os impactos das podas exageradas e a má administração pública sobre as árvores da cidade refletem-se na diminuição das populações de vários animais polinizadores e visitantes florais, que acabam se tornando, muitas vezes, raros ou totalmente ausentes, com o passar dos anos (2).
Muitas pessoas reclamam junto ao poder municipal ou órgão responsável pela manutenção das áreas verdes do município quando certa árvore danifica as calçadas, ou quando as folhas e as flores de certas espécies arbóreas sujam o quintal, a varanda e a churrasqueira que acabou de ser limpa. Aqui, temos que discutir uma questão que muitas vezes é deixada em segundo plano. É verdade que muitas plantas podem causar transtornos sociais. Tanto espécies nativas quanto exóticas podem trazer problemas para as instalações de uma cidade. O sistema das raízes, ou o crescimento exagerado dos ramos ou o tamanho e dureza dos frutos, sem contar outras características particulares das espécies vegetais, podem constituir problemas sérios que as autoridades e as equipes que realizam a arborização das vias publicas não estudam previamente, antes da execução de projetos de arborização. Indivíduos de flamboyant (3), cujas raízes tendem a subir em direção ao asfalto ou mesmo ao piso da calçada, por exemplo, podem destruir canteiros e causar prejuízos no asfalto de vias públicas. Similarmente, a famosa chapéu-de-sol (4), cujos frutos - as "cucas" ou amêndoas - são muito apreciados por morcegos, podem igualmente comprometer calçadas e canteiros. Os galhos quebrados ou soltos das árvores que se ramificam abundantemente podem ficar suspensos sobre os fios elétricos, sendo um perigo potencial para o início de curtos-circuitos ou acidentes mais graves. Embora a lista de "desvantagens" da arborização possa ser grande, e talvez eqüivalente aos pontos vantajosos, boa parte dos estudiosos do assunto adverte para algo muito simples: o conhecimento acerca da biologia vegetativa e reprodutiva das árvores, sejam elas nativas ou introduzidas, eliminaria quase que a totalidade dos problemas causados pelas espécies em questão, já que as informações serviriam como um plano-diretor de planejamento paisagístico e florístico nas cidades (5).
Características gerais como preferência por ambientes, rusticidade, desenvolvimento de raízes e ramificação da copa, valor paisagístico e resistência a pragas e moléstias são parâmetros que podem ser analisados e avaliados quando da escolha pelas espécies que definitivamente farão parte da floresta urbana e, consequentemente, acompanhar a dinâmica da cidade por várias décadas.
Por maiores que sejam as reclamações dos munícipes acerca dos estragos de certas árvores, ou da "sujeira" que as mesmas possam causar sobre seus carros e quintais, é inegável a sensação de bem-estar que uma rua arborizada traz quando comparada a outra totalmente desprovida de vegetação. Quem já passou por cidades cuja floresta urbana é muito bem tratada, como Maringá e Campinas, por exemplo, não pode negar a importância das árvores e arbustos como cobertura vegetal das vias públicas. Cabe à população, junto aos órgãos públicos responsáveis, o planejamento e a manutenção das espécies vegetais implantadas na arborização pública, que se preza tanto a um simples "olhar as flores abrindo" quanto a um sofisticado bird-watching vespertino, com binóculos e equipamento de gravação (6).

NOTAS:
(1) Como exemplos de espécies nativas do Brasil, podemos citar a goiabeira (Psidium guajava, da família das mirtáceas) e a pindaíba (Xylopia brasiliensis, da família das anonáceas); entre as inúmeras espécies exóticas que se adaptaram com êxito em nossas terras, já fazendo parte da flora brasileira, podemos citar a azaléia (Rhododendron, com várias espécies, da família das ericáceas) e as mangueiras (Mangifera indica, da família das anacardiáceas).

(2) Artigo interessante sobre o tema foi publicado na Folha de Londrina, 17/10/2003, folha B6, de autoria do Prof. Dr. Efraim Rodrigues (Universidade Estadual de Londrina - Paraná), com o tema "Uma nova idéia: a floresta urbana".

(3) O flamboyant pertence ao gênero Delonix, uma leguminosa cesalpinioídea (da mesma família das conhecidas senas, cássias e patas-de-vaca da nossa flora).

(4) Algumas espécies de Terminalia, da família das combretáceas.

(5) Leitão Filho, Hermógenes de Freitas & Dennis B. Azevedo, 1989. Critérios gerais para implantação de um parque ecológico. Campinas, Editora da Unicamp.

(6) A expressão bird-watching (literalmente "observação de pássaros") pode ser referida tanto a pesquisadores de ornitologia quanto ao público leigo interessado em escutar, ver e acompanhar o comportamento de pássaros que visitam as árvores e demais espécies vegetais, em suas matas nativas ou na floresta urbana.

Retrospectiva 2005: apenas Destruição?

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Final de ano. As famosas e costumeiras retrospectivas na TV. Os melhores e os piores momentos de 2005, as tragédias que assolaram nosso planeta, fios tênues de esperança nos rostos de pessoas que perderam casa e parentes nas catástrofes do ano que acabou de se findar. Momentos de reflexão e perplexidade.Nos últimos minutos de 2005, rendi-me à massificação global da telinha e fiquei algum tempo assistindo à seqüência de imagens que mostravam tornados, enchentes, tempestades de neve, queimadas, cortes de árvores, rios secos... morte. Morte de crianças, idosos, mães. Morte de animais e de plantas. Morte por todo lado.
Em sua incompreendida e aparentemente desmesurada ira, a natureza volta-se contra os homens e mostra sua fúria descomunal. Ondas gigantes, furacões cada vez mais fortes, tornados e tempestades tropicais em maior número. Incontestavelmente, estamos colhendo os frutos podres de uma semeadura insana que espalhou sementes de devastação ambiental nunca antes presenciada em nossa história. Nas quatro últimas décadas do século XX, o homem destruiu mais e com maior agressividade do que em todos os milhões de anos em que tem habitado Gaia. Parece não haver limites para a ganância, para a falta de visão de mundo e de previsão de perdas as mais absurdas e jamais imaginadas.
Para quem assistiu ao filme O Dia depois de Amanhã, muitas cenas da vida real do ano passado foram semelhantes a várias cenas do filme, em menor escala. Há quem duvide que o mar, um dia, invadirá as cidades costeiras; há quem duvide que tornados dantescos como os que assolaram Los Angeles na produção cinematográfica chegarão a estraçalhar cidades pelo mundo afora; há quem duvide que o efeito estufa possa alterar drasticamente o clima da Terra, provocando uma nova Era do Gelo devido à dessanilização da água do mar pelo derretimento das geleiras. Será que continuaremos na incredulidade, imaginando que sairemos ilesos desta corrida de destruição ambiental? Já não há sinais suficientes para percebermos que as conseqüências funestas dos estragos à Mãe Gaia estão ocorrendo? Talvez ainda muita gente precise de sinais apocalípticos para, realmente, perceber o que está acontecendo.
Pensando em tudo isso, e voltando às cenas da retrospectiva na telinha, observei muita gente chorando... Chorar pelos estragos não traz de volta o que o homem destruiu (e continua a destruir...!) na Mãe Natureza. Chorar pelos estragos não parece estar causando impactos relevantes na mudança de postura dos seres humanos em relação à extinção de espécies, muito menos às alterações nos ecossistemas e no clima da Terra. Chorar não ressuscita árvores centenárias cortadas no fio da navalha clandestina, nem os animais abatidos impunemente pelos caçadores do câmbio ilegal. Ao invés do choro, a tomada de posição e a luta consciente de cada um de nós para tentar um mundo melhor e mais equilibrado certamente poderão surtir melhores resultados

Interlocutio


Interlocutio. Do latim, do verbo interloquor: conversar com alguém, ter um interlocutor.

Interlocutio é o movimento que me impulsiona em meio à solidão das multidões. Passos de gente que vai e vem, carregando histórias de vida fascinantes e impenetráveis. Olhares que quase não se entreolham, que não demonstram interesse em transpor as gigantescas barreiras interpessoais da cidade que engole a tudo e a todos.

No metrô abarrotado, nunca pensei que fosse tão real a sensação de solitude em meio a tantas pessoas. Uma sensação real, penetrante e ameaçadora. Caminho entre corpos de olhares amorfos, distantes em seus problemas e angústias. Interlocutio. Ouso adivinhar o que lhes corre pelo pensamento. Medo, talvez. Quem sabe indiferença? Sonhos, visões, vontade de viver maior que a certeza da morte que ronda. Serão as mesmas preocupações que tiram o meu sono nos melhores momentos da madrugada? Nunca irei saber. Não há com quem compartilhar minhas inquietações e curiosidade sem fim.

A solidão não poupa dias, capacidade física, disposição espiritual e estado de alma. Ela é um ente invasivo, que toma posse de cada pedaço do cerne vivo.

A alma viaja na velocidade do pensamento. A solidão duplica essa velocidade.

Os passos vêm e vão, carregando tantas histórias. Interlocutio. Dialogo com minhas próprias histórias, fragmentadas em tantos dissabores, aprendizados, decepções e vitórias. Dialogo com minha anima, passiva e latente. Temerosa para se manifestar e derrubar meu animus racional. A solidão é maior que a racionalidade?

Interlocutio. Mais passos. Mais inquietações.

No meio do vagão de metrô lotado, um menino, solto, sem medo de mostrar um sorriso tão grande quanto sua ingenuidade infantil. Sem medo de ser livre, sem medo de ser só. Sem medo de ser tão-somente um menino. A solidão não o põe em grilhões, não o trancafia em traumas, não o faz virar um notívago em busca de respostas para a existência. Sua solidão o faz ser mais forte. A minha me torna mais fraco, mais dependente. Mais doente. Mais carente de mim mesmo.

O menino,
tão livre no vagão do metrô,
manteve-me preso por uma eternidade.

Interlocutio...

Escola, Aids e Adolescentes



Escola, Aids e Adolescentes
01/12/2006 (Publicado também na Revista Eletrônica ArScientia: http://www.arscientia.com.br/materia/ver_materia.php?id_materia=298)

Todo mundo sabe que a Aids mata. Todo mundo sabe que a Aids pode ser passada de uma pessoa para outra através de sexo não seguro. Os adolescentes e os jovens também sabem disto tudo. Será?

Falar de Aids parece ter se tornado um senso comum. Estatísticas apontam aumento ou queda dos números de indivíduos contaminados, número de óbitos, co-infecção de Aids com outras doenças virais e bacterianas etc. Propagandas de preservativos brotam em várias situações da vida cotidiana. Fala-se sobre Aids do Ensino Infantil ao jogo de bocha no clube da terceira idade. Aids/DSTs faz parte dos Parâmetros Curriculares Nacionais como um tema transversal a ser trabalhado com os alunos em sala de aula, preferencialmente em todas as disciplinas. O medo da Aids abriu, de certa forma, um diálogo mais aberto sobre sexo em sala de aula a partir de 1985 (1). A Aids colocou em xeque muitos mitos e quebrou paradigmas sociais. É inegável o impacto que a Aids causou na sociedade pós-década de 80.

O questionamento do início do texto em relação ao conhecimento que adolescentes e jovens brasileiros realmente têm sobre a Aids gerou, em mim, uma inquietação muito grande. Como educador em uma escola de Ensino Fundamental II na rede municipal de Cubatão-SP (2), percebo que ainda existe uma grande parcela de alunos que realmente não conhecem a Aids. Em seus diálogos dentro e fora da sala de aula, nos corredores da escola e no pátio, percebo que outros temas preenchem suas dúvidas e anseios diretos, como marcas de tênis, locais certos para colocação de piercings e tatuagens, namoros, bailes funk e points de baladas. A gravidez entre adolescentes dos 13 aos 17 anos é muito comum na unidade escolar e, curiosamente, os alunos não demonstram receios em engravidar ou contaminar-se com Aids ou outras DSTs. Partindo da hipótese de que muitos alunos realmente desconhecem a Aids, decidi fazer um levantamento de dados quantitativos e, a partir daí, realizar uma análise qualitativa. Desde 2004, realizo, anualmente, um questionário que é respondido anonimamente por alunos de 7ª séries (faixa etária média de 14,3 anos). Este questionário inclui as seguintes perguntas:

1. Idade
2. Sexo (M/F)
3. Você sabe o que é uma DST? (sim/não)
4. Cite alguma DST que você conhece:
5. A Aids é uma doença transmitida por: (vírus/bactéria)
6. Pode-se pegar Aids: (pelo ar/pela água/pelo beijo/em banheiros/pelo sexo/por um abraço/pelo sangue/em piscinas)
7. Em sua opinião, a camisinha funciona em 100% dos casos? (sim/não)
8. Você tem medo da Aids? (sim/não)
9. Você conhece alguém que tem Aids? (sim/não)
10. Você tem (ou teve) familiares com Aids? (sim/não)
11. Dos assuntos a seguir, marque aquele que você considera mais importante: (aids/gravidez/tatuagens ou piercings/baile funk/balada/drogas
12. Você faz sexo regularmente? (sim/não)
13. Você usa camisinha? (sim/não)
14. Escreva uma frase sobre Aids:
15. O que você faria se soubesse que está com Aids?
O questionário não pretende, obviamente, fazer uma análise profunda sobre o tema, mas fornecer dados suficientes para discutir o conhecimento dos entrevistados sobre o assunto abordado. Até hoje, já foram tabulados 342 questionários. As respostas foram surpreendentes e, ao mesmo tempo, muito inquietadoras.

O universo amostral é 58% feminino contra 42% masculino (pergunta 2). Em relação à pergunta 3, 47% das meninas responderam que sabem o que é uma DST; entre os meninos, o desconhecimento acerca destas doenças é de 62%. Citações de algumas DSTs (pergunta 4) apareceram em apenas 23% dos questionários, de ambos os sexos (3). Praticamente todos os entrevistados (92%) responderam que a Aids é transmitida por vírus (pergunta 5). A pergunta 6 gerou dados muito preocupantes, que revelam, de certa forma, o grau de desconhecimento dos entrevistados em relação à forma de contaminação da Aids: desconsiderando-se gênero, 13% responderam que se pode pegar Aids pelo ar; 7% responderam que a Aids pode ser transmitida pela água; transmissão por beijo e abraço apareceu em 34% dos entrevistados; não houve resposta nos itens banheiro e piscinas; 43% dos entrevistados optaram pela opção sexo; apenas 3% responderam que a Aids pode ser transmitida pelo sangue.

Em relação ao funcionamento da camisinha (pergunta 7), há diferenças consideráveis entre meninos e meninas: 78% dos meninos afirmaram que a camisinha funciona em 100% dos casos; apenas 31% das meninas acham que a camisinha funciona em 100% dos casos. Já a pergunta 8 gerou 100% de respostas afirmativas em relação ao medo da Aids.

Do total de entrevistados, apenas 28% afirmaram que conhecem alguma pessoa com Aids (pergunta 9). Curiosamente, 42% do total de alunos responderam que têm ou tiveram algum familiar com Aids.

A pergunta 11 corroborou, de certa forma, minhas observações sobre as maiores preocupações e anseios dos jovens e adolescentes durante suas conversas dentro e fora do ambiente da sala de aula. Aqui vale a pena ressaltar as diferenças de gênero: entre as meninas, o assunto que mais interessa é a gravidez (54%), seguido de baile funk (22%). Os meninos responderam que o assunto mais importante é o baile funk (57%), seguido de drogas e tatuagens/piercings (ambos com 31%). Entre os meninos, 68% afirmaram que fazem sexo regularmente, contra 48% das meninas (pergunta 12). Surpreendentemente, os que afirmaram fazer mais sexo são os que menos utilizam a camisinha: 54% dos meninos afirmaram não utilizar o preservativo durante suas relações sexuais. A porcentagem de meninas que afirmaram usar o preservativo foi de 78%.

As duas últimas perguntas obviamente não serão tabuladas aqui, já que incluem respostas dissertativas. Algumas respostas, entretanto, foram selecionadas devido, entre outros aspectos, ao teor fortemente impregnado de desconhecimento a respeito da Aids. Em relação à pergunta 14, foram selecionadas oito respostas:

Aids é uma coisinha feia e pequena que a gente pega se transar com o namorado, mas não com o marido. Aids não é coisa boa nem ruim, depende se você usa ou não camisinha. Eu acho que a Aids é um bichinho inventado no laboratório e que veio pra confundir o sexo. Beijar de leve não transmite a Aids, mas beijar de beijo de língua demorado pode. Tenho aftas na boca, e minha mãe disse que eu posso pegar Aids se comer com a mesma colher de outra pessoa. O bichinho da Aids é muito matuto, ele consegue entrar no sangue e sair pelo esperma. Se o cara ejacular e você lavar a boca logo em seguida, não pega Aids. Eu acho que a Aids já foi pior, o Brasil tem pesquisa boa pra acabar com a Aids no mundo.

Em relação à pergunta 15, selecionei seis respostas:

Eu não ia fazer nada porque não acredito que eu pegasse Aids. Eu matava quem tivesse passado ela pra mim.Não sei, mas eu acho que eu ia querer transar sem camisinha pra passar o bichinho pra outras pessoas. Eu ia querer que as outras pessoas também pegassem. Eu ia sumir no mundo porque não ia fazer minha mãe sofrer se ficasse sabendo dessa pouca-vergonha que eu faço com meu namorado. Acho que ia me matar porque ia ficar muito feia.

Os dados deste questionário são muito intrigantes. Nota-se que os jovens e adolescentes parecem não se importar muito com a Aids e com outras DSTs, mostrando, tanto pelas respostas objetivas quanto pelas dissertativas, que o tema ainda deve ser exaustivamente trabalhado em sala de aula, na família e na sociedade de forma geral. Se, por um lado, sabe-se que os adolescentes brasileiros estão iniciando sua vida sexual cada vez mais cedo, por outro se nota que pouco tem sido mudado, desde os primeiros relatos de Aids nos idos de 1980, nas suas posturas e crenças em relação a ela. Por fim, respondendo à pergunta que fiz no título deste artigo, diria que ainda há um longo caminho a se percorrer para que os adolescentes e jovens brasileiros realmente se conscientizem sobre a doença. Eis aqui um grande desafio para educadores, pais e cidadãos de todas as esferas sociais.

Notas:
(1) O ano de 1985 marca, no Brasil, o início das campanhas informativas sobre a Aids em nível de mídia geral, incluindo informações do Ministério da Saúde veiculadas na televisão.

(2) Esta escola situa-se na periferia do município de Cubatão (Baixada Santista) em uma área aterrada em manguezal. Grande parte dos alunos é de origem nordestina direta (nascidos em estados nordestinos ou filhos de migrantes nordestinos atraídos para a Baixada Santista durante as obras de construção das pistas das rodovias Anchieta e dos Imigrantes), e mais da metade mora em palafitas ou em barracos sobre áreas de manguezais.

(3) As doenças mais citadas foram gonorréia e sífilis.

Comida Made in Brazil... será?


Comer é um dos grandes prazeres do ser humano. Alguém vai querer negar a maravilhosa sensação de se estar à mesa, com um bom prato de comida bem feita, exalando aromas indescritíveis? A comida é, sem sombra de dúvida, uma arte em suas infinitas combinações de cores, sabores e cheiros. Talvez uma das mais democráticas, pois pode estar em qualquer lugar.

Nosso país é privilegiado nesta arte. O território, o clima e as diferenças regionais fazem da nossa culinária um grande ateliê gastronômico, em que nuanças fantásticas de gosto perfilam na enorme galeria de preferências nacionais. A miscigenação que transformou nosso povo na maior mistura étnica do mundo também alcançou a mesa, a partir do século XVI(1): azeites mediterrâneos amalgamaram-se ao óleo de coco e ao azeite de dendê, ervas finas e temperos exóticos deram toque especial às raízes e sementes da terra brasílica, e uma infinidade de frutos, sementes, legumes e hortaliças oriundos do Velho Mundo mesclaram-se soberbamente às benesses da nossa terra.

Desde seus primeiros contatos com os habitantes silvícolas do Novo Mundo, os europeus (particularmente portugueses e espanhóis, no nosso caso) tomaram contato com alimentos muito diferentes daqueles com os quais estavam acostumados a saborear em suas mesas européias, especialmente os de origem vegetal. O estranhamento inicial da nova flora é refletido pela maneira como descreviam as frutas, animais e demais componentes da nossa flora: a batata, por exemplo, era conhecida como “maçã da terra”, e o tomate, de “maçã de ouro”(2) (aliás, o tomate é um produto da terra americana que chegou no continente europeu somente em fins do século XVI. Fico imaginando como deveria ser a macarronada italiana sem o molho de tomate!). Assim, nesse ir-e-vir de jesuítas, colonizadores e conquistadores, plantas medicinais e alimentícias cruzaram o Atlântico em viagens de mão dupla, incrementando as mesas e sincretizando sabores.

E cá estamos nós, quatrocentos e poucos anos depois dessas primeiras experiências culinário-culturais. O convite, agora, é para que façamos uma pequena análise do que geralmente consumidos aqui no Sudeste(3). Vamos começar com as frutas. Boa parte dos alimentos frugais que geralmente consumidos não é, definitivamente, nativa do Brasil: pêras, maçãs, uvas, laranjas, mexericas, bergamotas, mangas, abacaxis, melancias, melões, goiabas, pêssegos, abacates, limões, nectarinas, figos, morangos, nêsperas, ameixas pretas, jabuticabas, cocos, bananas... Desta lista, você saberia dizer quantas são genuinamente brasileiras ou sul-americanas? Apenas as goiabas, as jabuticabas e os abacates, acredite se quiser. O cardápio de frutas aqui no Sudeste é majoritariamente europeu (pêras, maçãs, uvas, pêssegos, nectarinas, morangos), com salpicos de frutas oriundas do Oriente Médio (melões, melancias, mexericas, limões, laranjas, bergamotas) e da Ásia (mangas, abacaxis, cocos, bananas, figos, ameixas pretas). É, caro leitor, nem a banana escapou da lista dos importados! A verdade é que muitas mudas trazidas pelos jesuítas da África, Europa e Ásia encontraram condições favoráveis para sobrevivência aqui no Brasil. Algumas tornaram-se espontâneas, portanto muita gente acha que o coco, a manga e a banana, por exemplo, são frutas tipicamente brasileiras(4).

Se analisarmos o que comemos como “saladas” (hortaliças, legumes e raízes), a lista dos importados também não é pequena. Pasme: alface, acelga, rúcula, beterraba, cenoura, agrião, salsa, salsinha, tomilho, manjericão, manjerona, alecrim, gengibre, nabo, rabanete, chicória não são nativos do Brasil! Ah, sim, você come inhame, cará e mandioca? Bem, estes são definitivamente made in Brazil. Também são americanos (não necessariamente brasileiros) o tomate e a batata (que, muito indevidamente, foi batizada de “batata-inglesa”... os ingleses nunca comeram batatas antes do século XVI! Para pensar: como deveria ser a comida alemã, que atualmente combina batata com praticamente qualquer coisa, há quinhentos anos? Einsbein(5) com purê de batata não estaria no menu alemão, certamente...). Cereais? Bem, aqui caímos, então, em um cosmo totalmente xenófobo: não são do Brasil o trigo, o centeio, o arroz, o milho (apesar de ser sul-americano), a aveia e o sorgo. Quer arrematar com um bom cafezinho? É, a Coffea arabica, como o próprio nome indica, não nasceu aqui em terras tupiniquins.

Em plena época natalina, nada mais apropriado que nozes, avelãs, damascos, uvas-passa... Tudo exótico, importado, para combinar com Santa Claus, tão genuinamente brasileiro quanto o bacalhau, o salmão e o peru. Se você quiser optar por uma ceia com produtos brasílicos de origem, pode incluir açaí, cupuaçu, umbu, cajá e carne de cateto. Todos estes com o selo made in Brazil genuíno. E... bon apetitte!

Notas:
(1) A vinda dos primeiros portugueses ao Brasil e, particularmente, a chegada dos jesuítas em meados do século XVI, foram fatores importantes para o trânsito de alimentos entre Europa, África e Ásia e o continente americano.

(2) Algumas referências interessantes a este respeito podem ser encontradas em vários relatos. Selecionei a seguinte bibliografia:

BELTRAN, Maria Helena Roxo. O europeu diante da Flora do Novo Mundo. In: ALFONSO-GOLDFARB, Ana Maria; MAIA, C. A. (org.). História da Ciência: o mapa do conhecimento. Rio de Janeiro/São Paulo: Expressão e Cultura/Edusp, 1995 (Coleção América: Raízes e Trajetórias, vol. 2);

CARDIM, Fernão. Tratados da terra e gente do Brasil. Lisboa: Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1997;

DEAN, Warren. A botânica e a política imperial: introdução e adaptação de plantas no Brasil colonial e imperial. São Paulo: IEA/USP, 1992 (Série História das Ideologias e Mentalidades, Coleção Documentos, vol. 1);

FATUMBI, Pierre Verger. Ewé: o uso das plantas na sociedade iorubá. São Paulo: Companhia das Letras, 1995;

FRAGOSO, J. Discurso de las cosas aromáticas, árboles y frutales, y de otras muchas medicinas simples que se traen de la India Oriental, y que sirven al uso de la medicina. Madri: Francisco Sánchez, 1572;

LÉRY, Jean de. Viagem à terra do Brasil. Belo Horizonte/São Paulo: Itatiaia/EDUSP, 1980;

SANTOS, Fernando Santiago dos. A Botânica no livro didático do Ensino Médio: apenas memorização de nomes?. In: SILVA, Cibelle Cestino (Org.). Estudos de História e Filosofia das Ciências: subsídios para aplicação no Ensino. 1 ed. São Paulo: Editora Livraria da Física, 2006.

SOUSA, J. S. de. Tratado descritivo do Brasil em 1587. Belo Horizonte/Rio de Janeiro: Editora Itatiaia, 2001 (Coleção Reconquista do Brasil, 2ª série, v. 221);

THOMAS, Keith. O homem e o mundo natural: mudanças de atitude em relação às plantas e aos animais (1500-1800). São Paulo: Companhia das Letras, 1988.

(3) A região Sudeste foi a única considerada neste artigo por ser o local de nascimento e habitação do autor, que não ousaria falar da culinária de outras partes deste imenso país.

(4) Em Botânica, a palavra espontânea designa plantas que, adaptadas a um ambiente propício e em clima favorável, conseguem desenvolver-se e crescer de forma natural, embora estas plantas possam ser exóticas (ou seja, não-nativas do local).

(5) Este é um prato alemão à base de joelho de porco, normalmente acompanhado de purê de batatas ou grão de bico.