sexta-feira, dezembro 22, 2006

Livro sobre História da Ciência e Ensino



SUMÁRIO

Introdução: A história das ciências e seus usos na educação, Roberto de Andrade Martins.

Parte I – Epistemologia
1. Notas sobre o ensino de história e filosofia da ciência na educação científica de nível superior, Charbel Niño El-Hani.
2. Breves considerações sobre a natureza do método científico, Antonio Augusto P. Videira.
3. O dogmatismo científico de tradição materialista, Osvaldo Pessoa Jr.
4. Sobre continuidades e descontinuidades no conhecimento científico: uma discussão centrada na perspectiva kuhniana, Luiz O. Q. Peduzzi.

Parte II – Física
5. Interações na física: ação à distância versus ação por contato, André K. T. Assis.
6. O ensino da termodinâmica por meio da prática social, Marcelo Luis Aroeira, Rosella, João José Caluzi, Zenaide Prado Lyra e Silva.
7. Pierre Curie e a simetria das grandezas eletromagnéticas, Cibelle Celestino Silva.
8. Do mundo fechado da astronomia à cosmologia do universo fechado do big bang: revisitando novos dogmas da ciência astronômica, Marcos Cesar Danhoni Neves.
9. A maçã de Newton: história, lendas e tolices, Roberto de Andrade Martins.
10. Isaac Newton, as profecias bíblicas e a existência de Deus, Thaís Cyrino de Mello Forato.
11. A indução eletromagnética na sala de aula, Valéria Silva Dias.

Parte III – Biologia
12. A botânica no ensino médio: será que é preciso apenas memorizar nomes de plantas?, Fernando Santiago dos Santos.
13. A história da ciência e o ensino da genética e evolução no nível médio: um estudo de caso, Lilian Al-Chueyr P.Martins & Ana Paula O. P.Moraes Brito.
14. Ensino do sistema sangüíneo humano: a dimensão histórico-epistemológica, Nadir Castilho Delizoicov.
15. História do dna e educação científica, Nadir Ferrari & Neusa Maria John Scheid.
16. Razão, experiência e imaginação na ciência – o caso de Charles Darwin, Anna Carolina K. P. Regner.

Parte IV – Outros
17. Alguns aspectos da teoria da matéria: atomismo, corpuscularismo e filosofia mecânica, Luciana Zaterka.
18. Equações algébricas: uma abordagem histórica sobre o processo de resolução da equação de 2º grau, Sergio Nobre.

O escândalo dos Doutores


Por: Renato Mezan, Professor titular da PUC-SP, autor de "Freud – A Trama dos Conceitos" (Perspectiva), entre outros livros.

Abro meu e-mail e deparo com uma chamada intrigante: "A PUC-SP [Pontifícia Universidade Católica] não discrimina doutores". Quem envia a mensagem é a Assessoria de Comunicação Institucional (Acipuc): para meu espanto, fico sabendo que muitas faculdades particulares se recusam a contratar professores com título de doutor ou, mesmo, os despedem logo após a defesa. E por quê? Porque um doutor ganha alguns reais a mais que um mestre, e, este, mais do que um bacharel, licenciado ou especialista.
Dia seguinte: encontro na Ilustrada uma crônica de Moacyr Scliar, "Crime e Castigo". O coordenador está passando uma descompostura no professor, cuja freqüência a um curso de pós-graduação acaba de ser descoberta: como ousa ele fazer tamanha bobagem? E dá-lhe ameaças! O professor, atônito, concorda em desistir da pós ou, pelo menos, manter secreto o seu título quando o obtiver -qualquer coisa, desde que não perca o emprego.
Conversas com colegas me fazem ver que o assunto não é, como havia pensado, uma piada de mau gosto. A "discriminação contra os doutores", por motivos que beiram o ridículo -mais R$ 10 por hora-aula-, na maioria das vezes é um dos escândalos mais grotescos que encontramos nesse amontoado de aberrações em que se converteu o ensino superior pago neste país. Custa a crer que o aperfeiçoamento de um professor seja causa de demissão ou de não-contratação; no entanto é o que vem acontecendo em inúmeras escolas particulares. Aqueles com quem conversei a respeito estão receosos; temem ser postos no olho da rua se forem identificados. Mas suas experiências são "amargas", como me disse um deles.
Não basta, contudo, esfregarmos os olhos e nos indignarmos com esse absurdo. É preciso refletir sobre o que ele significa, sobre o descalabro que se instalou no setor pago do ensino superior. O paradoxo torna-se ainda maior se lembrarmos que, nas últimas décadas, órgãos como o CNPq [Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico], a Capes Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível (Superior) e a Fapesp Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São (Paulo) aplicaram centenas de milhões de reais em bolsas de mestrado, doutorado e pós-doutorado, visando à capacitação do pessoal docente e, por extensão, à melhoria do nível de ensino no país.
Apenas uma fração dos que obtêm esses títulos podem ser absorvidos pelas universidades públicas ou por escolas particulares que valorizam a titulação, como as PUCs, FGVs e algumas (poucas) outras. Quando o recém-doutor envia seu currículo ou vai fazer uma entrevista, descobre que seu título depõe contra ele, que está "overqualified"... Sabemos que, para credenciar um curso, o Ministério da Educação exige, entre outras coisas, uma certa cota de doutores e mestres no corpo docente; mas essa cota muitas vezes não é observada ou, quando o é, portadores de certificados de especialização (curso no qual não é preciso redigir uma tese) contam como mestres. Credenciado o curso, as verificações são esparsas e complacentes, aceitando-se explicações esfarrapadas para a insuficiência de pessoal titulado. Estamos diante de uma concepção do ensino como mercadoria e da mão-de-obra que produz essa mercadoria como fator meramente quantitativo, cujos custos devem ser mantidos no patamar mais baixo possível.
A educação superior está estruturada como uma pirâmide: os alunos da graduação são educados por alguém que já concluiu seus estudos universitários e que busca na pós-graduação um complemento paraavançar na carreira. O título deveri a ser um diferencial capaz de decidir uma contratação, como é nos concursos, mas se verifica o oposto: contanto que sejam preenchidas as horas-aula, é mais lucrativo pagar menos e selecionar um professor que tenha apenas bacharelado, argumentando que a "cota" de titulados (10%, no caso dos doutores) já está preenchida. E os alunos que se danem: desde que paguem suas mensalidades, o que menos importa a quem lhes vende um diploma é a qualidade do que for ensinado. Todos conhecemos "universidades" em que, como nos clubes, para entrar no campus se passa um cartão pela catraca; basta estar intramuros, ainda que na lanchonete ou no cabeleireiro, para "ter presença" e não "estourar em faltas".
Conhecimento novo - A miopia dos donos dessas arapucas tem um componente de ganância e outro de ignorância, esta a respeito da diferença entre um doutor e um mestre. Um doutor não é apenas um mestre que escreveu mais uma tese; pelas regras da academia, ele pode orientar candidatos a ambos os títulos porque é um especialista em sua área e cujo trabalho foi avaliado publicamente por uma banca na qual pelo menos dois componentes devem ser de outra instituição.
Não estou idealizando o valor de um título: todos sabemos que há teses melhores e piores, departamentos mais exigentes ou menos. Mas é lícito supor que alguém que passou pelo duro teste de duas defesas de tese só pode enriquecer o curso de graduação em que vier a dar aulas.Outro equívoco que precisa ser dissipado diz respeito ao "binômio ensino e pesquisa". Sem querer desqualificar a atividade depesquisador, deveríamos reconhecer que muitos professores, titulados ou não, não possuem vocação para produzir conhecimento novo, que é o que significa no sentido acadêmico a palavra "pesquisa". Seu talento é transmitir o conhecimento já existente, algo tão necessário quanto pesquisar, especialmente nos cursos de graduação, nos quais se trata de equipar o aluno com o saber já acumulado naquela área de estudo.
Preparar boas aulas não é o mesmo que pesquisar; se é preciso ler, informar-se, planejar, isso não significa que quem assim procede seja um investigador desbravando as fronteiras do conhecimento. Por vezes, podem coincidir na mesma pessoa um ótimo pesquisador e um excelente professor; mas isso é raro, e é injusto exigir que seja sempre assim.
Deveríamos valorizar a figura do bom professor, empenhado em realizar seu papel da melhor forma possível. Disso, seguramente, faz parte a busca de aperfeiçoamento por meio dos cursos de pós-graduação; esses professores deveriam ser incentivados, e não punidos -é o mínimo que se pode pensar.
O mínimo necessário - Da mesma forma, os diplomas de nível médio deveriam ser mais valorizados, melhorando o conteúdo dos cursos que os conferem e desmistificando a idéia de que somente o diploma universitário conduz a um futuro mais promissor. Inúmeros alunos de escolas particulares, sobretudo nos cursos noturnos, não têm condições -nem desejam- de fazer mais do que o mínimo necessário para obter um diploma. Por que os iludir, fazendo-os crer que, ao terminar um curso de quarta categoria, estarão dando o salto para o sucesso profissional?
Não seria mais digno e mais honesto reconhecer que um curso médio consistente teria mais efeito, com um custo muito menor de tempo e de dinheiro?Mas isso implicaria reconhecer de público o que todos sabem: inúmeras faculdades particulares têm por objetivo principal o enriquecimento dos seus proprietários, e, para alcançá-lo, estão dispostas a vender um serviço de qualidade pavorosa.
O nível do que ali é ensinado só não é pior devido à dedicação de muitos professores, que consideram sua missão utilizar a disciplina que lecionam, mesmo que seja de cunho "técnico", para formar, na parca medida do possível, o espírito dos seus alunos. É indigno que seus empregadores faturem milhões economizando tostões.
Para terminar, uma sugestão concreta: que, no projeto de reforma universitária atualmente em debate, sejam introduzidos dispositivos quefavoreçam a maior capacitação do corpo docente, usando os tradicionais instrumentos empregados pelos cavaleiros para fazer andar suas montarias -a cenoura e o chicote.Cenoura: vantagens aos cursos que tenham maior proporção de professores titulados; chicote: sanções disciplinares e monetárias (provavelmenteas únicas eficazes, nesse território) contra os que, a cada ano,não aumentarem aquela proporção até chegarem a um nível aceitável de titulados - por exemplo, 50% de mestres e 30% de doutores. Quem sabe, ameaçando mexer no bolso dos empresários do ensino, o escândalo da "discriminação dos doutores" venha a se tornar mais uma das vergonhosas lembranças que o Brasil esconde nos desvãos da sua memória. Por enquanto,ele é uma chaga aberta e fede a gangrena.

Disponível em:
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mais/fs2003200504.htm
21 março 2005.

Que tipo de professor eu sou hoje?

Esta atividade surgiu como uma proposta interessante e desafiadora. A princípio, achei-a bastante densa e difícil – afinal, fazer uma reflexão profunda sobre o tema O que fez com que eu me tornasse o professor que eu sou hoje? não me pareceu ser algo simples de se escrever, como o preparo de uma pequena resenha de aula, a tradução de um texto de duas páginas sobre meio ambiente ou, mesmo, o preenchimento de conteúdos ministrados em uma aula de Ciências ou Biologia. Não. Refletir seriamente sobre minha trajetória profissional e pessoal, pensando sobre os aspectos que me levaram a tornar-me o profissional que sou hoje, transcende o simples pensar sobre a vida: requer uma viagem no tempo, nas emoções, nos momentos bons e nos momentos ruins também. O desafio, porém, foi aceito com alegria, pois este momento ímpar de quietude, de deixar a mente divagar plenamente sobre o passado e sobre o que foi sendo tecido ao longo de anos de experiência e vivência educacionais, é muito recompensador.

Minha experiência em sala de aula começou muito cedo. Aos doze anos de idade (isso mesmo, doze anos!), vi-me pela primeira vez às voltas com alunos, lousa e giz. Eu morava em São Paulo, no Bairro da Saúde, e participava das atividades religiosas de um convento. Fiz minha catequese e minha primeira comunhão lá. Uma das freiras encarregadas do ensino da catequese analisou minha participação no curso de catecismo e, um certo dia, convidou-me a participar de um projeto que o convento estava iniciando. Tal projeto envolvia o treinamento de futuros catequistas mirins: pré-adolescentes e adolescentes que tivessem um mínimo de “aptidão didática” poderiam ser selecionados para iniciar experiências de ensino no catecismo. Eu fui um dos escolhidos. Minha primeira turma de alunos tinha, então, cerca de sete crianças de 7 a 9 anos de idade. Eu, doze. Infelizmente, não guardei nenhum caderno de anotações das aulas de catecismo que eu ministrava no convento. Não me lembro dos rostos dos meus primeiros alunos, nem de seus nomes... um fato, porém, marcou profundamente este período, profícuo em experiências, receios, erros e alegrias: a “formatura” dos alunos na catequese mirim foi uma noite inesquecível! Nesta noite de formatura, os catequistas mirins receberam do pároco um crucifixo dourado; os alunos que estavam se “formando”, um crucifixo menor, prateado. Choro dos pais, emoção da platéia. Este evento didático marcou seriamente minhas futuras escolhas profissionais.

Aos treze anos de idade, meu pai foi transferido de São Paulo para Santos. Mudança de endereço, período de adolescência, adequações de corpo e de vida nova. Senti muito medo e muita solidão. Refugiando-me dos muitos receios que pairavam sobre minha cabeça adolescente em transformação e da lacuna deixada pela falta de meus vizinhos paulistanos – com os quais aprendi a viver cada dia de minha infância –, atirei-me aos livros. Eu sempre gostei de ler, sempre gostei de tentar viajar pelo mundo, pelas culturas e pelas línguas dos povos através dos livros, da música e das imagens. Nesta época, com os meus quatorze anos de idade, eu já havia lido todos os 15 volumes da Enciclopédia Delta Internacional que meu pai comprara com muito esforço, ao sair de São Paulo para Santos (ele nunca me falou nada a respeito, mas creio que a enciclopédia serviu-lhe, inconscientemente, como uma retratação pela mudança de residência que, no fundo, marcou negativamente minha pós-infância; pode ter sido, a meu ver, uma maneira de limpar seu mea culpa, mea maxima culpa...). Talvez, ainda, como um legado da infância tardia e da experiência bem-sucedida no convento, eu li, também, os 77 livros da Bíblia católica. Comecei a estudar japonês e inglês. Lia, lia, lia; lia muito, um pouco de tudo, todo dia.

A leitura marcou minha adolescência inteira. A paixão pela leitura impulsionou-me a devorar tudo que se relacionava com o saber, com o conhecimento, com a cultura. Passei a estudar, por volta dos dezesseis anos, música teórica de forma autodidata. Nesta época, estava no nível avançado do curso de língua inglesa. Recebi, mais uma vez, uma proposta desafiadora e que marcaria, agora, minha futura vida docente como um divisor de águas: a diretora da escola Fisk onde eu estudava convidou-me, no final de 1987, para dar aulas de inglês no curso Básico, para uma turma de iniciantes. Foi um convite aceito imediatamente. Há muito eu já vinha pensando seriamente em ensinar inglês a alunos em aulas particulares; o convite da diretora caiu-me como uma luva perfeita. Digo que este evento foi um divisor de águas porque, na verdade, deste ponto em diante a minha relação com a sala de aula passou a ser visceral: da sala de aula, obtive meu sustento durante todo o período pré-vestibular; da sala de aula, também, paguei todas as minhas despesas enquanto morador de repúblicas em Campinas (estudava em período integral na Unicamp e, à noite e aos sábados, dava aulas de inglês, paralelamente a serviços esporádicos de tradução que me eram oferecidos por diversos clientes), comprei meu primeiro carro, investi em cursos, viajei, participei de congressos e fiz um sem-fim de coisas que ocupariam muito espaço nesta página caso fossem relatadas uma a uma.

Acabado o curso de Ciências Biológicas na Unicamp (Bacharelado e Licenciatura Plena), fui convidado a coordenar os cursos de inglês da escola CNA de Limeira. Mais um desafio, mais um período de aprendizagem, compartilhamento de vivências e estudos. Aprendi muito sobre relações interpessoais, sobre psicodrama, sobre como melhorar a comunicação e a empatia com o público. Participei de diversos workshops sobre auto-estima, relações no trabalho, disciplina e motivação em sala de aula. Dois anos depois, já de volta a Santos, inicio minha carreira profissional como professor de Biologia e Ciências, em duas escolas particulares da cidade. Foram duas experiências muito interessantes. Apliquei parte das teorias que havia vivenciado nos workshops (principalmente as que se referem à interatividade professor-aluno, ensino-aprendizagem, relações interpessoais e comunicação pro-ativa) durante as aulas nestas duas escolas. Certamente errei muito, devo ter repousado parte das aulas em pensamentos espontâneos de anos e anos de ensino de línguas estrangeiras (muitas vezes calcado simplesmente em saberes empíricos), devo ter tido inseguranças e deslizes. Mas, olhando com calma neste passado nem tão muito distante assim, vejo que o balanço é muito positivo.

Em 2000, tomo coragem e inicio o Mestrado em História da Ciência, na PUC-SP. Novamente, um desafio grandioso que eu pretendia abraçar com unhas e dentes. Trabalhar em duas escolas privadas e em uma unidade escolar na Prefeitura Municipal de Cubatão – além de acompanhar o Mestrado – foi um caminho árduo, permeado por dezenas de noites passadas sem dormir e finais de semana passados em frente ao computador, rodeado de livros, anotações, xerox de artigos e capítulos de livros. A escolha pela História da Ciência foi baseada em inquietações que me acompanhavam há vários anos: por que a maioria dos professores, e também dos materiais didáticos utilizados em sala de aula, fundamenta-se invariavelmente em uma análise anacrônica, linearista e pontualística da Ciência? Por que se insiste em mostrar aos alunos que a Ciência é feita de grandes nomes geniosos que descobrem as coisas “por acaso”, por insights milagrosos e teorias surgidas do nada? Por que os alunos, em geral, não gostam de Biologia? Por que a Botânica é encarada, por alunos e professores de Biologia, como algo meramente decorativo, chato e difícil de ensinar/aprender? Estas perguntas não poderiam ficar sem respostas. Eram fundamentais demais para mim. Achava que os professores de Ciências, como eu, deveriam tentar contextualizar suas aulas, tornando-as mais realistas, mostrando aos alunos que a Ciência não é coisa de lunático, de gênio tresloucado ou de descobertas únicas e isoladas. Por esta época (2002), comecei a questionar profundamente minhas aulas, chegando a achá-las, depois de várias autoavaliações, sérias demais, preocupadas demais com a contextualização histórica, em detrimento das competências e habilidades que são necessárias ao aluno de hoje.

Nem todas minhas inquietações foram solucionadas durante o Mestrado. Para buscar novas saídas, e aprofundar os conhecimentos em Educação, busquei o Doutorado na Faculdade de Educação da USP. Obviamente, nem todas as respostas foram alcançadas. Ainda há, com certeza, um longo caminho pela frente. Mas posso assegurar, pelo menos até agora, que estou no caminho certo. Tentar responder a pelo menos uma de minhas eternas perguntas – O que é que faz um professor ser um bom professor, e o que faz um aluno ser um bom aluno? – seria um trunfo e a sensação de ter trilhado o caminho certo.

Chegamos ao ponto crucial desta reflexão. O que fez com que eu me tornasse o professor que sou hoje? Diria que uma gama de fatores diferentes poderia ser uma resposta satisfatória. Estes fatores incluem, entre outras coisas, uma boa dose de empirismo; a vontade de compartilhar conhecimentos e diferentes saberes; uma vocação talvez “inata” (será que posso ousar entrar neste aspecto, o do talento natural que é tão discutido em várias instâncias no meio psicopedagógico?) para ensinar; a eterna insatisfação com o status quo da sociedade e do mundo; a paixão pelos livros, pela cultura, pelas línguas, pela história e pela filosofia; o desejo sempre latente de querer aprimorar-me e formar mentes abertas e críticas; o sentimento quase jesuítico, manifestado lá no fundo da alma, de acompanhar o desenvolvimento dos alunos, de vê-los progredir em inteligência, em ânsia por mais conhecimentos; enfim, uma eterna e jovial vontade de entender o modus operandi da mente humana, de saber conhecer seus mistérios e saber que, ao ensinar, estou contribuindo para a formação de pessoas mais comprometidas com a humanidade, mais críticas e responsáveis para consigo mesmas e para com o mundo.

Relendo tudo o que acabei de escrever, acho que poderia considerar-me utópico. Mas, perdoem-me se estiver obcecado demais por esta idéia: quem pode tirar de nós o sonho? Meu sonho, com a cabeça bem erguida e o semblante lá nas nuvens, mantém meus pés, porém, bem fincados no chão. O sonho, a utopia e a vontade de querer abraçar o mundo com as mãos mantém-me vivo, esperançoso de que ainda há muito que mudar, de que ainda há muito a se fazer nesta Terra tão caótica. E ensinar foi a maneira que achei para acalentar e tentar alcançar este sonho.

quarta-feira, dezembro 13, 2006

Qual é a importância da arborização urbana?


Este texto também pode ser acessado nas revistas eletrônicas Cefle e ArScientia


Houve tempos em que era praxe o passeio ao final da tarde, pelas veredas das cidades, para a observação das árvores e dos arbustos em pleno florescimento. Homens e mulheres sabiam, muitas vezes empiricamente, quando a paineira dava flores, quando o ingá gerava seus doces frutos, ou quando as primaveras e outras espécies comuns em nossas cidades sofriam alguma transformação em seus ciclos de vida. Muitas goiabeiras foram palco para as mais diversas brincadeiras infantis. E, convenhamos, quem não subiu em alguma árvore, por menor que tenha sido, para apanhar amoras, abacates, ou as referidas goiabas repletas de bicadas de pássaros? Nossas avós talvez relembrem aqueles dias em que sentir o aroma de flores constituía fato normal na vida de qualquer cidadão.
Os tempos agora são muito diferentes. Estas atividades, hoje desconhecidas da maioria dos habitantes das grandes cidades, revelam, na verdade, algo que transcende simplesmente o senso comum e a observação empírica. A arborização de praças, parques públicos e ruas é algo necessário e de extrema importância para a sobrevivência de vários animais e outras espécies vegetais, que usam a cidade como habitat natural ou como rota durante a migração. Em ecologia, cunhou-se o termo floresta urbana, ou seja, o conjunto de árvores e arbustos que compõem a área verde das cidades, em meio ao trânsito, aos postes de luz e às casas. Mais que uma mera fonte de prazer e atividade lúdica, a arborização de ruas e outras áreas comuns das cidades é um gerador de alimento para diversas espécies de animais - mamíferos, aves, insetos - cuja dieta depende dos frutos e do néctar de inúmeras árvores nativas do Brasil, além das inúmeras espécies que foram sendo introduzidas em nosso país por tantos e tantos anos (as chamadas espécies exóticas ou alóctones, em oposição às espécies nativas ou autóctones) (1).
Várias cidades brasileiras possuem espécies que mantém as ruas floridas praticamente o ano todo. Os polinizadores e aqueles que visitam as plantas para obtenção de alimento também podem ser vistos praticamente durante o ano inteiro. Há estudos, inclusive, sendo realizados com a floresta urbana, onde os impactos das podas exageradas e a má administração pública sobre as árvores da cidade refletem-se na diminuição das populações de vários animais polinizadores e visitantes florais, que acabam se tornando, muitas vezes, raros ou totalmente ausentes, com o passar dos anos (2).
Muitas pessoas reclamam junto ao poder municipal ou órgão responsável pela manutenção das áreas verdes do município quando certa árvore danifica as calçadas, ou quando as folhas e as flores de certas espécies arbóreas sujam o quintal, a varanda e a churrasqueira que acabou de ser limpa. Aqui, temos que discutir uma questão que muitas vezes é deixada em segundo plano. É verdade que muitas plantas podem causar transtornos sociais. Tanto espécies nativas quanto exóticas podem trazer problemas para as instalações de uma cidade. O sistema das raízes, ou o crescimento exagerado dos ramos ou o tamanho e dureza dos frutos, sem contar outras características particulares das espécies vegetais, podem constituir problemas sérios que as autoridades e as equipes que realizam a arborização das vias publicas não estudam previamente, antes da execução de projetos de arborização. Indivíduos de flamboyant (3), cujas raízes tendem a subir em direção ao asfalto ou mesmo ao piso da calçada, por exemplo, podem destruir canteiros e causar prejuízos no asfalto de vias públicas. Similarmente, a famosa chapéu-de-sol (4), cujos frutos - as "cucas" ou amêndoas - são muito apreciados por morcegos, podem igualmente comprometer calçadas e canteiros. Os galhos quebrados ou soltos das árvores que se ramificam abundantemente podem ficar suspensos sobre os fios elétricos, sendo um perigo potencial para o início de curtos-circuitos ou acidentes mais graves. Embora a lista de "desvantagens" da arborização possa ser grande, e talvez eqüivalente aos pontos vantajosos, boa parte dos estudiosos do assunto adverte para algo muito simples: o conhecimento acerca da biologia vegetativa e reprodutiva das árvores, sejam elas nativas ou introduzidas, eliminaria quase que a totalidade dos problemas causados pelas espécies em questão, já que as informações serviriam como um plano-diretor de planejamento paisagístico e florístico nas cidades (5).
Características gerais como preferência por ambientes, rusticidade, desenvolvimento de raízes e ramificação da copa, valor paisagístico e resistência a pragas e moléstias são parâmetros que podem ser analisados e avaliados quando da escolha pelas espécies que definitivamente farão parte da floresta urbana e, consequentemente, acompanhar a dinâmica da cidade por várias décadas.
Por maiores que sejam as reclamações dos munícipes acerca dos estragos de certas árvores, ou da "sujeira" que as mesmas possam causar sobre seus carros e quintais, é inegável a sensação de bem-estar que uma rua arborizada traz quando comparada a outra totalmente desprovida de vegetação. Quem já passou por cidades cuja floresta urbana é muito bem tratada, como Maringá e Campinas, por exemplo, não pode negar a importância das árvores e arbustos como cobertura vegetal das vias públicas. Cabe à população, junto aos órgãos públicos responsáveis, o planejamento e a manutenção das espécies vegetais implantadas na arborização pública, que se preza tanto a um simples "olhar as flores abrindo" quanto a um sofisticado bird-watching vespertino, com binóculos e equipamento de gravação (6).

NOTAS:
(1) Como exemplos de espécies nativas do Brasil, podemos citar a goiabeira (Psidium guajava, da família das mirtáceas) e a pindaíba (Xylopia brasiliensis, da família das anonáceas); entre as inúmeras espécies exóticas que se adaptaram com êxito em nossas terras, já fazendo parte da flora brasileira, podemos citar a azaléia (Rhododendron, com várias espécies, da família das ericáceas) e as mangueiras (Mangifera indica, da família das anacardiáceas).

(2) Artigo interessante sobre o tema foi publicado na Folha de Londrina, 17/10/2003, folha B6, de autoria do Prof. Dr. Efraim Rodrigues (Universidade Estadual de Londrina - Paraná), com o tema "Uma nova idéia: a floresta urbana".

(3) O flamboyant pertence ao gênero Delonix, uma leguminosa cesalpinioídea (da mesma família das conhecidas senas, cássias e patas-de-vaca da nossa flora).

(4) Algumas espécies de Terminalia, da família das combretáceas.

(5) Leitão Filho, Hermógenes de Freitas & Dennis B. Azevedo, 1989. Critérios gerais para implantação de um parque ecológico. Campinas, Editora da Unicamp.

(6) A expressão bird-watching (literalmente "observação de pássaros") pode ser referida tanto a pesquisadores de ornitologia quanto ao público leigo interessado em escutar, ver e acompanhar o comportamento de pássaros que visitam as árvores e demais espécies vegetais, em suas matas nativas ou na floresta urbana.

Retrospectiva 2005: apenas Destruição?

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Final de ano. As famosas e costumeiras retrospectivas na TV. Os melhores e os piores momentos de 2005, as tragédias que assolaram nosso planeta, fios tênues de esperança nos rostos de pessoas que perderam casa e parentes nas catástrofes do ano que acabou de se findar. Momentos de reflexão e perplexidade.Nos últimos minutos de 2005, rendi-me à massificação global da telinha e fiquei algum tempo assistindo à seqüência de imagens que mostravam tornados, enchentes, tempestades de neve, queimadas, cortes de árvores, rios secos... morte. Morte de crianças, idosos, mães. Morte de animais e de plantas. Morte por todo lado.
Em sua incompreendida e aparentemente desmesurada ira, a natureza volta-se contra os homens e mostra sua fúria descomunal. Ondas gigantes, furacões cada vez mais fortes, tornados e tempestades tropicais em maior número. Incontestavelmente, estamos colhendo os frutos podres de uma semeadura insana que espalhou sementes de devastação ambiental nunca antes presenciada em nossa história. Nas quatro últimas décadas do século XX, o homem destruiu mais e com maior agressividade do que em todos os milhões de anos em que tem habitado Gaia. Parece não haver limites para a ganância, para a falta de visão de mundo e de previsão de perdas as mais absurdas e jamais imaginadas.
Para quem assistiu ao filme O Dia depois de Amanhã, muitas cenas da vida real do ano passado foram semelhantes a várias cenas do filme, em menor escala. Há quem duvide que o mar, um dia, invadirá as cidades costeiras; há quem duvide que tornados dantescos como os que assolaram Los Angeles na produção cinematográfica chegarão a estraçalhar cidades pelo mundo afora; há quem duvide que o efeito estufa possa alterar drasticamente o clima da Terra, provocando uma nova Era do Gelo devido à dessanilização da água do mar pelo derretimento das geleiras. Será que continuaremos na incredulidade, imaginando que sairemos ilesos desta corrida de destruição ambiental? Já não há sinais suficientes para percebermos que as conseqüências funestas dos estragos à Mãe Gaia estão ocorrendo? Talvez ainda muita gente precise de sinais apocalípticos para, realmente, perceber o que está acontecendo.
Pensando em tudo isso, e voltando às cenas da retrospectiva na telinha, observei muita gente chorando... Chorar pelos estragos não traz de volta o que o homem destruiu (e continua a destruir...!) na Mãe Natureza. Chorar pelos estragos não parece estar causando impactos relevantes na mudança de postura dos seres humanos em relação à extinção de espécies, muito menos às alterações nos ecossistemas e no clima da Terra. Chorar não ressuscita árvores centenárias cortadas no fio da navalha clandestina, nem os animais abatidos impunemente pelos caçadores do câmbio ilegal. Ao invés do choro, a tomada de posição e a luta consciente de cada um de nós para tentar um mundo melhor e mais equilibrado certamente poderão surtir melhores resultados

Interlocutio


Interlocutio. Do latim, do verbo interloquor: conversar com alguém, ter um interlocutor.

Interlocutio é o movimento que me impulsiona em meio à solidão das multidões. Passos de gente que vai e vem, carregando histórias de vida fascinantes e impenetráveis. Olhares que quase não se entreolham, que não demonstram interesse em transpor as gigantescas barreiras interpessoais da cidade que engole a tudo e a todos.

No metrô abarrotado, nunca pensei que fosse tão real a sensação de solitude em meio a tantas pessoas. Uma sensação real, penetrante e ameaçadora. Caminho entre corpos de olhares amorfos, distantes em seus problemas e angústias. Interlocutio. Ouso adivinhar o que lhes corre pelo pensamento. Medo, talvez. Quem sabe indiferença? Sonhos, visões, vontade de viver maior que a certeza da morte que ronda. Serão as mesmas preocupações que tiram o meu sono nos melhores momentos da madrugada? Nunca irei saber. Não há com quem compartilhar minhas inquietações e curiosidade sem fim.

A solidão não poupa dias, capacidade física, disposição espiritual e estado de alma. Ela é um ente invasivo, que toma posse de cada pedaço do cerne vivo.

A alma viaja na velocidade do pensamento. A solidão duplica essa velocidade.

Os passos vêm e vão, carregando tantas histórias. Interlocutio. Dialogo com minhas próprias histórias, fragmentadas em tantos dissabores, aprendizados, decepções e vitórias. Dialogo com minha anima, passiva e latente. Temerosa para se manifestar e derrubar meu animus racional. A solidão é maior que a racionalidade?

Interlocutio. Mais passos. Mais inquietações.

No meio do vagão de metrô lotado, um menino, solto, sem medo de mostrar um sorriso tão grande quanto sua ingenuidade infantil. Sem medo de ser livre, sem medo de ser só. Sem medo de ser tão-somente um menino. A solidão não o põe em grilhões, não o trancafia em traumas, não o faz virar um notívago em busca de respostas para a existência. Sua solidão o faz ser mais forte. A minha me torna mais fraco, mais dependente. Mais doente. Mais carente de mim mesmo.

O menino,
tão livre no vagão do metrô,
manteve-me preso por uma eternidade.

Interlocutio...

Escola, Aids e Adolescentes



Escola, Aids e Adolescentes
01/12/2006 (Publicado também na Revista Eletrônica ArScientia: http://www.arscientia.com.br/materia/ver_materia.php?id_materia=298)

Todo mundo sabe que a Aids mata. Todo mundo sabe que a Aids pode ser passada de uma pessoa para outra através de sexo não seguro. Os adolescentes e os jovens também sabem disto tudo. Será?

Falar de Aids parece ter se tornado um senso comum. Estatísticas apontam aumento ou queda dos números de indivíduos contaminados, número de óbitos, co-infecção de Aids com outras doenças virais e bacterianas etc. Propagandas de preservativos brotam em várias situações da vida cotidiana. Fala-se sobre Aids do Ensino Infantil ao jogo de bocha no clube da terceira idade. Aids/DSTs faz parte dos Parâmetros Curriculares Nacionais como um tema transversal a ser trabalhado com os alunos em sala de aula, preferencialmente em todas as disciplinas. O medo da Aids abriu, de certa forma, um diálogo mais aberto sobre sexo em sala de aula a partir de 1985 (1). A Aids colocou em xeque muitos mitos e quebrou paradigmas sociais. É inegável o impacto que a Aids causou na sociedade pós-década de 80.

O questionamento do início do texto em relação ao conhecimento que adolescentes e jovens brasileiros realmente têm sobre a Aids gerou, em mim, uma inquietação muito grande. Como educador em uma escola de Ensino Fundamental II na rede municipal de Cubatão-SP (2), percebo que ainda existe uma grande parcela de alunos que realmente não conhecem a Aids. Em seus diálogos dentro e fora da sala de aula, nos corredores da escola e no pátio, percebo que outros temas preenchem suas dúvidas e anseios diretos, como marcas de tênis, locais certos para colocação de piercings e tatuagens, namoros, bailes funk e points de baladas. A gravidez entre adolescentes dos 13 aos 17 anos é muito comum na unidade escolar e, curiosamente, os alunos não demonstram receios em engravidar ou contaminar-se com Aids ou outras DSTs. Partindo da hipótese de que muitos alunos realmente desconhecem a Aids, decidi fazer um levantamento de dados quantitativos e, a partir daí, realizar uma análise qualitativa. Desde 2004, realizo, anualmente, um questionário que é respondido anonimamente por alunos de 7ª séries (faixa etária média de 14,3 anos). Este questionário inclui as seguintes perguntas:

1. Idade
2. Sexo (M/F)
3. Você sabe o que é uma DST? (sim/não)
4. Cite alguma DST que você conhece:
5. A Aids é uma doença transmitida por: (vírus/bactéria)
6. Pode-se pegar Aids: (pelo ar/pela água/pelo beijo/em banheiros/pelo sexo/por um abraço/pelo sangue/em piscinas)
7. Em sua opinião, a camisinha funciona em 100% dos casos? (sim/não)
8. Você tem medo da Aids? (sim/não)
9. Você conhece alguém que tem Aids? (sim/não)
10. Você tem (ou teve) familiares com Aids? (sim/não)
11. Dos assuntos a seguir, marque aquele que você considera mais importante: (aids/gravidez/tatuagens ou piercings/baile funk/balada/drogas
12. Você faz sexo regularmente? (sim/não)
13. Você usa camisinha? (sim/não)
14. Escreva uma frase sobre Aids:
15. O que você faria se soubesse que está com Aids?
O questionário não pretende, obviamente, fazer uma análise profunda sobre o tema, mas fornecer dados suficientes para discutir o conhecimento dos entrevistados sobre o assunto abordado. Até hoje, já foram tabulados 342 questionários. As respostas foram surpreendentes e, ao mesmo tempo, muito inquietadoras.

O universo amostral é 58% feminino contra 42% masculino (pergunta 2). Em relação à pergunta 3, 47% das meninas responderam que sabem o que é uma DST; entre os meninos, o desconhecimento acerca destas doenças é de 62%. Citações de algumas DSTs (pergunta 4) apareceram em apenas 23% dos questionários, de ambos os sexos (3). Praticamente todos os entrevistados (92%) responderam que a Aids é transmitida por vírus (pergunta 5). A pergunta 6 gerou dados muito preocupantes, que revelam, de certa forma, o grau de desconhecimento dos entrevistados em relação à forma de contaminação da Aids: desconsiderando-se gênero, 13% responderam que se pode pegar Aids pelo ar; 7% responderam que a Aids pode ser transmitida pela água; transmissão por beijo e abraço apareceu em 34% dos entrevistados; não houve resposta nos itens banheiro e piscinas; 43% dos entrevistados optaram pela opção sexo; apenas 3% responderam que a Aids pode ser transmitida pelo sangue.

Em relação ao funcionamento da camisinha (pergunta 7), há diferenças consideráveis entre meninos e meninas: 78% dos meninos afirmaram que a camisinha funciona em 100% dos casos; apenas 31% das meninas acham que a camisinha funciona em 100% dos casos. Já a pergunta 8 gerou 100% de respostas afirmativas em relação ao medo da Aids.

Do total de entrevistados, apenas 28% afirmaram que conhecem alguma pessoa com Aids (pergunta 9). Curiosamente, 42% do total de alunos responderam que têm ou tiveram algum familiar com Aids.

A pergunta 11 corroborou, de certa forma, minhas observações sobre as maiores preocupações e anseios dos jovens e adolescentes durante suas conversas dentro e fora do ambiente da sala de aula. Aqui vale a pena ressaltar as diferenças de gênero: entre as meninas, o assunto que mais interessa é a gravidez (54%), seguido de baile funk (22%). Os meninos responderam que o assunto mais importante é o baile funk (57%), seguido de drogas e tatuagens/piercings (ambos com 31%). Entre os meninos, 68% afirmaram que fazem sexo regularmente, contra 48% das meninas (pergunta 12). Surpreendentemente, os que afirmaram fazer mais sexo são os que menos utilizam a camisinha: 54% dos meninos afirmaram não utilizar o preservativo durante suas relações sexuais. A porcentagem de meninas que afirmaram usar o preservativo foi de 78%.

As duas últimas perguntas obviamente não serão tabuladas aqui, já que incluem respostas dissertativas. Algumas respostas, entretanto, foram selecionadas devido, entre outros aspectos, ao teor fortemente impregnado de desconhecimento a respeito da Aids. Em relação à pergunta 14, foram selecionadas oito respostas:

Aids é uma coisinha feia e pequena que a gente pega se transar com o namorado, mas não com o marido. Aids não é coisa boa nem ruim, depende se você usa ou não camisinha. Eu acho que a Aids é um bichinho inventado no laboratório e que veio pra confundir o sexo. Beijar de leve não transmite a Aids, mas beijar de beijo de língua demorado pode. Tenho aftas na boca, e minha mãe disse que eu posso pegar Aids se comer com a mesma colher de outra pessoa. O bichinho da Aids é muito matuto, ele consegue entrar no sangue e sair pelo esperma. Se o cara ejacular e você lavar a boca logo em seguida, não pega Aids. Eu acho que a Aids já foi pior, o Brasil tem pesquisa boa pra acabar com a Aids no mundo.

Em relação à pergunta 15, selecionei seis respostas:

Eu não ia fazer nada porque não acredito que eu pegasse Aids. Eu matava quem tivesse passado ela pra mim.Não sei, mas eu acho que eu ia querer transar sem camisinha pra passar o bichinho pra outras pessoas. Eu ia querer que as outras pessoas também pegassem. Eu ia sumir no mundo porque não ia fazer minha mãe sofrer se ficasse sabendo dessa pouca-vergonha que eu faço com meu namorado. Acho que ia me matar porque ia ficar muito feia.

Os dados deste questionário são muito intrigantes. Nota-se que os jovens e adolescentes parecem não se importar muito com a Aids e com outras DSTs, mostrando, tanto pelas respostas objetivas quanto pelas dissertativas, que o tema ainda deve ser exaustivamente trabalhado em sala de aula, na família e na sociedade de forma geral. Se, por um lado, sabe-se que os adolescentes brasileiros estão iniciando sua vida sexual cada vez mais cedo, por outro se nota que pouco tem sido mudado, desde os primeiros relatos de Aids nos idos de 1980, nas suas posturas e crenças em relação a ela. Por fim, respondendo à pergunta que fiz no título deste artigo, diria que ainda há um longo caminho a se percorrer para que os adolescentes e jovens brasileiros realmente se conscientizem sobre a doença. Eis aqui um grande desafio para educadores, pais e cidadãos de todas as esferas sociais.

Notas:
(1) O ano de 1985 marca, no Brasil, o início das campanhas informativas sobre a Aids em nível de mídia geral, incluindo informações do Ministério da Saúde veiculadas na televisão.

(2) Esta escola situa-se na periferia do município de Cubatão (Baixada Santista) em uma área aterrada em manguezal. Grande parte dos alunos é de origem nordestina direta (nascidos em estados nordestinos ou filhos de migrantes nordestinos atraídos para a Baixada Santista durante as obras de construção das pistas das rodovias Anchieta e dos Imigrantes), e mais da metade mora em palafitas ou em barracos sobre áreas de manguezais.

(3) As doenças mais citadas foram gonorréia e sífilis.

Comida Made in Brazil... será?


Comer é um dos grandes prazeres do ser humano. Alguém vai querer negar a maravilhosa sensação de se estar à mesa, com um bom prato de comida bem feita, exalando aromas indescritíveis? A comida é, sem sombra de dúvida, uma arte em suas infinitas combinações de cores, sabores e cheiros. Talvez uma das mais democráticas, pois pode estar em qualquer lugar.

Nosso país é privilegiado nesta arte. O território, o clima e as diferenças regionais fazem da nossa culinária um grande ateliê gastronômico, em que nuanças fantásticas de gosto perfilam na enorme galeria de preferências nacionais. A miscigenação que transformou nosso povo na maior mistura étnica do mundo também alcançou a mesa, a partir do século XVI(1): azeites mediterrâneos amalgamaram-se ao óleo de coco e ao azeite de dendê, ervas finas e temperos exóticos deram toque especial às raízes e sementes da terra brasílica, e uma infinidade de frutos, sementes, legumes e hortaliças oriundos do Velho Mundo mesclaram-se soberbamente às benesses da nossa terra.

Desde seus primeiros contatos com os habitantes silvícolas do Novo Mundo, os europeus (particularmente portugueses e espanhóis, no nosso caso) tomaram contato com alimentos muito diferentes daqueles com os quais estavam acostumados a saborear em suas mesas européias, especialmente os de origem vegetal. O estranhamento inicial da nova flora é refletido pela maneira como descreviam as frutas, animais e demais componentes da nossa flora: a batata, por exemplo, era conhecida como “maçã da terra”, e o tomate, de “maçã de ouro”(2) (aliás, o tomate é um produto da terra americana que chegou no continente europeu somente em fins do século XVI. Fico imaginando como deveria ser a macarronada italiana sem o molho de tomate!). Assim, nesse ir-e-vir de jesuítas, colonizadores e conquistadores, plantas medicinais e alimentícias cruzaram o Atlântico em viagens de mão dupla, incrementando as mesas e sincretizando sabores.

E cá estamos nós, quatrocentos e poucos anos depois dessas primeiras experiências culinário-culturais. O convite, agora, é para que façamos uma pequena análise do que geralmente consumidos aqui no Sudeste(3). Vamos começar com as frutas. Boa parte dos alimentos frugais que geralmente consumidos não é, definitivamente, nativa do Brasil: pêras, maçãs, uvas, laranjas, mexericas, bergamotas, mangas, abacaxis, melancias, melões, goiabas, pêssegos, abacates, limões, nectarinas, figos, morangos, nêsperas, ameixas pretas, jabuticabas, cocos, bananas... Desta lista, você saberia dizer quantas são genuinamente brasileiras ou sul-americanas? Apenas as goiabas, as jabuticabas e os abacates, acredite se quiser. O cardápio de frutas aqui no Sudeste é majoritariamente europeu (pêras, maçãs, uvas, pêssegos, nectarinas, morangos), com salpicos de frutas oriundas do Oriente Médio (melões, melancias, mexericas, limões, laranjas, bergamotas) e da Ásia (mangas, abacaxis, cocos, bananas, figos, ameixas pretas). É, caro leitor, nem a banana escapou da lista dos importados! A verdade é que muitas mudas trazidas pelos jesuítas da África, Europa e Ásia encontraram condições favoráveis para sobrevivência aqui no Brasil. Algumas tornaram-se espontâneas, portanto muita gente acha que o coco, a manga e a banana, por exemplo, são frutas tipicamente brasileiras(4).

Se analisarmos o que comemos como “saladas” (hortaliças, legumes e raízes), a lista dos importados também não é pequena. Pasme: alface, acelga, rúcula, beterraba, cenoura, agrião, salsa, salsinha, tomilho, manjericão, manjerona, alecrim, gengibre, nabo, rabanete, chicória não são nativos do Brasil! Ah, sim, você come inhame, cará e mandioca? Bem, estes são definitivamente made in Brazil. Também são americanos (não necessariamente brasileiros) o tomate e a batata (que, muito indevidamente, foi batizada de “batata-inglesa”... os ingleses nunca comeram batatas antes do século XVI! Para pensar: como deveria ser a comida alemã, que atualmente combina batata com praticamente qualquer coisa, há quinhentos anos? Einsbein(5) com purê de batata não estaria no menu alemão, certamente...). Cereais? Bem, aqui caímos, então, em um cosmo totalmente xenófobo: não são do Brasil o trigo, o centeio, o arroz, o milho (apesar de ser sul-americano), a aveia e o sorgo. Quer arrematar com um bom cafezinho? É, a Coffea arabica, como o próprio nome indica, não nasceu aqui em terras tupiniquins.

Em plena época natalina, nada mais apropriado que nozes, avelãs, damascos, uvas-passa... Tudo exótico, importado, para combinar com Santa Claus, tão genuinamente brasileiro quanto o bacalhau, o salmão e o peru. Se você quiser optar por uma ceia com produtos brasílicos de origem, pode incluir açaí, cupuaçu, umbu, cajá e carne de cateto. Todos estes com o selo made in Brazil genuíno. E... bon apetitte!

Notas:
(1) A vinda dos primeiros portugueses ao Brasil e, particularmente, a chegada dos jesuítas em meados do século XVI, foram fatores importantes para o trânsito de alimentos entre Europa, África e Ásia e o continente americano.

(2) Algumas referências interessantes a este respeito podem ser encontradas em vários relatos. Selecionei a seguinte bibliografia:

BELTRAN, Maria Helena Roxo. O europeu diante da Flora do Novo Mundo. In: ALFONSO-GOLDFARB, Ana Maria; MAIA, C. A. (org.). História da Ciência: o mapa do conhecimento. Rio de Janeiro/São Paulo: Expressão e Cultura/Edusp, 1995 (Coleção América: Raízes e Trajetórias, vol. 2);

CARDIM, Fernão. Tratados da terra e gente do Brasil. Lisboa: Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1997;

DEAN, Warren. A botânica e a política imperial: introdução e adaptação de plantas no Brasil colonial e imperial. São Paulo: IEA/USP, 1992 (Série História das Ideologias e Mentalidades, Coleção Documentos, vol. 1);

FATUMBI, Pierre Verger. Ewé: o uso das plantas na sociedade iorubá. São Paulo: Companhia das Letras, 1995;

FRAGOSO, J. Discurso de las cosas aromáticas, árboles y frutales, y de otras muchas medicinas simples que se traen de la India Oriental, y que sirven al uso de la medicina. Madri: Francisco Sánchez, 1572;

LÉRY, Jean de. Viagem à terra do Brasil. Belo Horizonte/São Paulo: Itatiaia/EDUSP, 1980;

SANTOS, Fernando Santiago dos. A Botânica no livro didático do Ensino Médio: apenas memorização de nomes?. In: SILVA, Cibelle Cestino (Org.). Estudos de História e Filosofia das Ciências: subsídios para aplicação no Ensino. 1 ed. São Paulo: Editora Livraria da Física, 2006.

SOUSA, J. S. de. Tratado descritivo do Brasil em 1587. Belo Horizonte/Rio de Janeiro: Editora Itatiaia, 2001 (Coleção Reconquista do Brasil, 2ª série, v. 221);

THOMAS, Keith. O homem e o mundo natural: mudanças de atitude em relação às plantas e aos animais (1500-1800). São Paulo: Companhia das Letras, 1988.

(3) A região Sudeste foi a única considerada neste artigo por ser o local de nascimento e habitação do autor, que não ousaria falar da culinária de outras partes deste imenso país.

(4) Em Botânica, a palavra espontânea designa plantas que, adaptadas a um ambiente propício e em clima favorável, conseguem desenvolver-se e crescer de forma natural, embora estas plantas possam ser exóticas (ou seja, não-nativas do local).

(5) Este é um prato alemão à base de joelho de porco, normalmente acompanhado de purê de batatas ou grão de bico.