quarta-feira, dezembro 13, 2006

Escola, Aids e Adolescentes



Escola, Aids e Adolescentes
01/12/2006 (Publicado também na Revista Eletrônica ArScientia: http://www.arscientia.com.br/materia/ver_materia.php?id_materia=298)

Todo mundo sabe que a Aids mata. Todo mundo sabe que a Aids pode ser passada de uma pessoa para outra através de sexo não seguro. Os adolescentes e os jovens também sabem disto tudo. Será?

Falar de Aids parece ter se tornado um senso comum. Estatísticas apontam aumento ou queda dos números de indivíduos contaminados, número de óbitos, co-infecção de Aids com outras doenças virais e bacterianas etc. Propagandas de preservativos brotam em várias situações da vida cotidiana. Fala-se sobre Aids do Ensino Infantil ao jogo de bocha no clube da terceira idade. Aids/DSTs faz parte dos Parâmetros Curriculares Nacionais como um tema transversal a ser trabalhado com os alunos em sala de aula, preferencialmente em todas as disciplinas. O medo da Aids abriu, de certa forma, um diálogo mais aberto sobre sexo em sala de aula a partir de 1985 (1). A Aids colocou em xeque muitos mitos e quebrou paradigmas sociais. É inegável o impacto que a Aids causou na sociedade pós-década de 80.

O questionamento do início do texto em relação ao conhecimento que adolescentes e jovens brasileiros realmente têm sobre a Aids gerou, em mim, uma inquietação muito grande. Como educador em uma escola de Ensino Fundamental II na rede municipal de Cubatão-SP (2), percebo que ainda existe uma grande parcela de alunos que realmente não conhecem a Aids. Em seus diálogos dentro e fora da sala de aula, nos corredores da escola e no pátio, percebo que outros temas preenchem suas dúvidas e anseios diretos, como marcas de tênis, locais certos para colocação de piercings e tatuagens, namoros, bailes funk e points de baladas. A gravidez entre adolescentes dos 13 aos 17 anos é muito comum na unidade escolar e, curiosamente, os alunos não demonstram receios em engravidar ou contaminar-se com Aids ou outras DSTs. Partindo da hipótese de que muitos alunos realmente desconhecem a Aids, decidi fazer um levantamento de dados quantitativos e, a partir daí, realizar uma análise qualitativa. Desde 2004, realizo, anualmente, um questionário que é respondido anonimamente por alunos de 7ª séries (faixa etária média de 14,3 anos). Este questionário inclui as seguintes perguntas:

1. Idade
2. Sexo (M/F)
3. Você sabe o que é uma DST? (sim/não)
4. Cite alguma DST que você conhece:
5. A Aids é uma doença transmitida por: (vírus/bactéria)
6. Pode-se pegar Aids: (pelo ar/pela água/pelo beijo/em banheiros/pelo sexo/por um abraço/pelo sangue/em piscinas)
7. Em sua opinião, a camisinha funciona em 100% dos casos? (sim/não)
8. Você tem medo da Aids? (sim/não)
9. Você conhece alguém que tem Aids? (sim/não)
10. Você tem (ou teve) familiares com Aids? (sim/não)
11. Dos assuntos a seguir, marque aquele que você considera mais importante: (aids/gravidez/tatuagens ou piercings/baile funk/balada/drogas
12. Você faz sexo regularmente? (sim/não)
13. Você usa camisinha? (sim/não)
14. Escreva uma frase sobre Aids:
15. O que você faria se soubesse que está com Aids?
O questionário não pretende, obviamente, fazer uma análise profunda sobre o tema, mas fornecer dados suficientes para discutir o conhecimento dos entrevistados sobre o assunto abordado. Até hoje, já foram tabulados 342 questionários. As respostas foram surpreendentes e, ao mesmo tempo, muito inquietadoras.

O universo amostral é 58% feminino contra 42% masculino (pergunta 2). Em relação à pergunta 3, 47% das meninas responderam que sabem o que é uma DST; entre os meninos, o desconhecimento acerca destas doenças é de 62%. Citações de algumas DSTs (pergunta 4) apareceram em apenas 23% dos questionários, de ambos os sexos (3). Praticamente todos os entrevistados (92%) responderam que a Aids é transmitida por vírus (pergunta 5). A pergunta 6 gerou dados muito preocupantes, que revelam, de certa forma, o grau de desconhecimento dos entrevistados em relação à forma de contaminação da Aids: desconsiderando-se gênero, 13% responderam que se pode pegar Aids pelo ar; 7% responderam que a Aids pode ser transmitida pela água; transmissão por beijo e abraço apareceu em 34% dos entrevistados; não houve resposta nos itens banheiro e piscinas; 43% dos entrevistados optaram pela opção sexo; apenas 3% responderam que a Aids pode ser transmitida pelo sangue.

Em relação ao funcionamento da camisinha (pergunta 7), há diferenças consideráveis entre meninos e meninas: 78% dos meninos afirmaram que a camisinha funciona em 100% dos casos; apenas 31% das meninas acham que a camisinha funciona em 100% dos casos. Já a pergunta 8 gerou 100% de respostas afirmativas em relação ao medo da Aids.

Do total de entrevistados, apenas 28% afirmaram que conhecem alguma pessoa com Aids (pergunta 9). Curiosamente, 42% do total de alunos responderam que têm ou tiveram algum familiar com Aids.

A pergunta 11 corroborou, de certa forma, minhas observações sobre as maiores preocupações e anseios dos jovens e adolescentes durante suas conversas dentro e fora do ambiente da sala de aula. Aqui vale a pena ressaltar as diferenças de gênero: entre as meninas, o assunto que mais interessa é a gravidez (54%), seguido de baile funk (22%). Os meninos responderam que o assunto mais importante é o baile funk (57%), seguido de drogas e tatuagens/piercings (ambos com 31%). Entre os meninos, 68% afirmaram que fazem sexo regularmente, contra 48% das meninas (pergunta 12). Surpreendentemente, os que afirmaram fazer mais sexo são os que menos utilizam a camisinha: 54% dos meninos afirmaram não utilizar o preservativo durante suas relações sexuais. A porcentagem de meninas que afirmaram usar o preservativo foi de 78%.

As duas últimas perguntas obviamente não serão tabuladas aqui, já que incluem respostas dissertativas. Algumas respostas, entretanto, foram selecionadas devido, entre outros aspectos, ao teor fortemente impregnado de desconhecimento a respeito da Aids. Em relação à pergunta 14, foram selecionadas oito respostas:

Aids é uma coisinha feia e pequena que a gente pega se transar com o namorado, mas não com o marido. Aids não é coisa boa nem ruim, depende se você usa ou não camisinha. Eu acho que a Aids é um bichinho inventado no laboratório e que veio pra confundir o sexo. Beijar de leve não transmite a Aids, mas beijar de beijo de língua demorado pode. Tenho aftas na boca, e minha mãe disse que eu posso pegar Aids se comer com a mesma colher de outra pessoa. O bichinho da Aids é muito matuto, ele consegue entrar no sangue e sair pelo esperma. Se o cara ejacular e você lavar a boca logo em seguida, não pega Aids. Eu acho que a Aids já foi pior, o Brasil tem pesquisa boa pra acabar com a Aids no mundo.

Em relação à pergunta 15, selecionei seis respostas:

Eu não ia fazer nada porque não acredito que eu pegasse Aids. Eu matava quem tivesse passado ela pra mim.Não sei, mas eu acho que eu ia querer transar sem camisinha pra passar o bichinho pra outras pessoas. Eu ia querer que as outras pessoas também pegassem. Eu ia sumir no mundo porque não ia fazer minha mãe sofrer se ficasse sabendo dessa pouca-vergonha que eu faço com meu namorado. Acho que ia me matar porque ia ficar muito feia.

Os dados deste questionário são muito intrigantes. Nota-se que os jovens e adolescentes parecem não se importar muito com a Aids e com outras DSTs, mostrando, tanto pelas respostas objetivas quanto pelas dissertativas, que o tema ainda deve ser exaustivamente trabalhado em sala de aula, na família e na sociedade de forma geral. Se, por um lado, sabe-se que os adolescentes brasileiros estão iniciando sua vida sexual cada vez mais cedo, por outro se nota que pouco tem sido mudado, desde os primeiros relatos de Aids nos idos de 1980, nas suas posturas e crenças em relação a ela. Por fim, respondendo à pergunta que fiz no título deste artigo, diria que ainda há um longo caminho a se percorrer para que os adolescentes e jovens brasileiros realmente se conscientizem sobre a doença. Eis aqui um grande desafio para educadores, pais e cidadãos de todas as esferas sociais.

Notas:
(1) O ano de 1985 marca, no Brasil, o início das campanhas informativas sobre a Aids em nível de mídia geral, incluindo informações do Ministério da Saúde veiculadas na televisão.

(2) Esta escola situa-se na periferia do município de Cubatão (Baixada Santista) em uma área aterrada em manguezal. Grande parte dos alunos é de origem nordestina direta (nascidos em estados nordestinos ou filhos de migrantes nordestinos atraídos para a Baixada Santista durante as obras de construção das pistas das rodovias Anchieta e dos Imigrantes), e mais da metade mora em palafitas ou em barracos sobre áreas de manguezais.

(3) As doenças mais citadas foram gonorréia e sífilis.

Um comentário:

Por que exitimos disse...

Oi Fernando , eu me chamo kamila adore seu trabalho, muito interesante , pesso igual a vc acredito que o futuro do nosso país esta na mão desse jovem , estrutura para nada , e pior não sabe o que querem da vida . Sou estudande de farmacia e tenho que apresentar um projeto educativa eu adorei sua pesquisa e vai me ajudar muito no que pretendo montar .. parabéns mesmo o mundo precisa de pessos como vc .